Escrevemos desde um longo mês de março sobre os próximos meses de um ano que se atreve a recomeçar em abril. No trimestre que passou, vivemos algumas aflições, algumas incertezas, recolhemo-nos, alguns, de novo às nossas casas, assistimos ao fecho de escolas e de fronteiras, cuidámos dos nossos entes queridos. Enquanto isso, no Teatro Viriato, ensaiámos novas obras, reordenámos a nossa programação, testámos novos formatos, reforçámos as nossas alianças e parcerias, amparámo-nos uns aos outros perante a permanente surpresa de mais um adiamento, de mais uma doença, de mais uma impossibilidade de calendário, de mais uma notícia triste.
Nem sempre nos pareceu possível aguentar.
Nem sempre nos pareceu que tudo isto fizesse sentido.
Mas, olhando agora para o programa que desenhámos e que agora vos oferecemos, vemos nele espelhados os quatro cantos do planeta, os três tempos de uma história comum (passada, presente, futura), os percursos biográficos e civilizacionais que nos unem e nos separam e, sobretudo, a vontade, a coragem e o esforço de tantos e tão dedicados artistas que não cessam de nos fascinar.
A partir de abril, poderemos visitar a “Rural Art Residency” na Arménia, pela mão da sua curadora e artista plástica Lilit Stepanyan e do artista Pedro Sousa Loureiro, ou conversar sobre o projeto artístico “Dialogues with Power”, com a sua autora e investigadora sobre questões feministas Susanna Gyulamiryan e com o poeta e professor de literatura Fernando Pinto do Amaral no nosso segundo “Boca Livre”.
Poderemos cheirar as primeiras frésias com o “Festival Internacional de Música da Primavera” (que este ano inaugura ainda uma parceria com a Galeria Zé dos Bois, um casamento celebrado no Teatro Viriato que se deseja longo e feliz); poderemos pendurar os nossos ramos de espigas na porta do camarim do “FITEI - Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica”, o nosso novo companheiro de viagens transatlânticas que nos levarão até ao “Estado Vegetal”, de Manuela Infante, ou aos estados inconciliáveis do feminino em “Stabat Mater”, de Janaína Leite; poderemos abrir o verão com um passeio pelos múltiplos “Jardins Efémeros”, na companhia de Chris Watson, André Gonçalves ou Lyra Pramuk.
Revisitaremos momentos únicos com a reposição de “The Show Must Go On”, de Jérôme Bel, vinte anos após a sua inesquecível estreia; despedir--nos-emos deste mundo para podermos imaginar outros futuros com João Pedro Leal, Eduardo Molina e Marco Mendonça; espreitaremos tudo aquilo que ainda não somos e vamos por certo passar a ser, com as apresentações finais da Escola de Dança Lugar Presente; com o “Projeto Jovens Bailarinos”, da Companhia Paulo Ribeiro; ou com o exercício final dos alunos do 3.º ano da Escola Superior de Teatro e Cinema, numa primeira residência fora de casa, com apresentação e estreia pelas ruas de Viseu.
Mergulharemos no nosso corpo: relendo-o em “A Minha História da Dança”, pela voz e memória de Sónia Baptista numa parceria com o Forum Dança e O Rumo do Fumo; abraçando-o no seu virtuosismo, para o melhor e para o pior (“Pour le Meilleur et Pour le Pire”), numa composição amorosa de Kati Pikkarainen e Victor Cathala para o Cirque Aïtal; tentando compreendê-lo em “Cabraqimera”, no seu desejo de velocidade e implosão, numa coreografia para patins de Catarina Miranda.
Tentaremos compreender o lugar do pai na civilização ocidental, através das memórias pessoais de Romeu Runa e Beatriz Batarda, na encenação “Perfil Perdido”, de Marco Martins; e o lugar que não deveria ser só da mãe, em “Stabat Mater”, de Janaína Leite. Entraremos por múltiplas cidades adentro, com várias companhias, como o Teatro da Cidade, os Possessos e os Auéééu.
Em parceria com a Galeria Zé dos Bois, recordaremos o 25 de Abril e (re)ensaiaremos a luta com o álbum saído em 2020, “Rapazes e Raposas”, de B Fachada, e ouviremos pela primeiríssima vez o disco “Hair of the dog”, de Gabriel Ferrandini.
Do Chile ao Brasil e à Arménia, passando por cidades imaginárias, locais passados e promessas de outros que queremos bem presentes, o Teatro Viriato conta ser o lugar de uma diversidade que qualquer vida deve ser e ter, nunca esquecendo a sua singularidade. Uma multiplicidade que se confirma nas vozes, nos corpos, nas caras, nos estados, nos humores, nos desejos, mas também nas possibilidades que só se revelarão no encontro entre o público e a arte que, para vocês, preparámos e contamos oferecer. Contamos consigo para escrevermos juntos os próximos capítulos do diário deste ano onde começa e onde cabe toda uma década.
Patrícia Portela (Direção Artística)